Moto escola. Como eu tirei minha carteira

Fala meu caro leitor! Que bom que você chegou aqui. Só para lembrar, esse post é continuação do Finalmente minha primeira motocicleta – Blog do Valente. Caso você não tenha lido ainda, recomendo. Boa leitura!


Do dia que eu havia comprado a moto até a minha primeira aula na moto escola, havia se passado cerca de três meses. Até chegar o dia da primeira aula eu fazia o ritual descrito anteriormente: Acorda, troca de roupa, “namora” a Viúva Negra, limpava uma sujeira inexistente e anda 30 minutos no estacionamento. Banho, café da manhã e trabalho. Eu botei na minha cabeça que iria ser o melhor aluno que o instrutor já teve e levei bem a sério isso, só não contava com o que estava por vir.

Primeiro dia de aula e caiu a ficha que a moto que eu iria ter aula era uma Honda CG Fan 125cc, literalmente caindo aos pedaços e absurdamente mais leve que a minha Viúva Negra 650 N de 240 kg (seca, sem contar com o combustível). A moto era uma sucata, eu tinha que bater na lateral dela de tempos em tempos para não deixar uma peça cair, não me pergunte qual era a peça pois eu fiz questão de apagar isso da minha memória. Olhando pelo lado positivo e tentando ver o copo meio cheio, tudo seria mais simples, mas o mundo nem sempre acompanha seu otimismo.

A diferença dessa para a da moto escola é que essa está inteira

Cheguei ao local da aula e o instrutor perguntou se eu já havia andado em uma moto antes, eu falei que sim e que tinha uma moto, sem falar qual era pois, acredite ou não tive vergonha de falar qual máquina eu tinha em casa. Após a afirmação, ele então me perguntou qual era moto que eu tinha estacionada em casa e, não sei o motivo, falei qual era meio envergonhado. O instrutor arregalou o olho e soltou uma sequência de palavrões. Após a bela poesia que havia declamado, completou:

– Cara, isso aqui que você vai andar é uma bicicleta! O que você tem é uma moto de verdade. Da uma volta aí para se adaptar com ela e dentro de 10 minutos eu explico o circuito da aula, mas não fique triste, essa bicicleta aqui não tem nada a ver com o que você está acostumado a pilotar.

Acostumado a pilotar… Ele nem sabia que eu mal sabia andar, mas vamos lá. Realmente, a 125 era uma bicicleta comparada a moto que eu tinha em casa. Quando comecei as aulas senti que deveria encostar minha Viúva Negra até passar na prova para pegar as manhas da moto escola. O tempo de adaptação passou e o instrutor me chamou para passar as informações do circuito que iríamos fazer:

– Bom, a primeira parte é o zig-zague nos cones, em seguida você dá uma leve acelerada para subir na plataforma, tem que passar reto etc.

Se você não sabe o que é esse circuito, assista ao vídeo que peguei do canal do Lorran Martins.

Circuito para prova de habilitação para condução de motociclistas

Então, vamos nessa. Cone um no chão, cone dois balançando e o nervosismo chegou. Caraca, eu não vou conseguir! Cheguei em casa decepcionado com meu desempenho, mas ansioso para a próxima aula. Assisti vídeos e mais vídeos no Youtube (obrigado Durval Careca) com as manhas da prova, decorei cada pedaço do circuito e lá fui eu para outra aula.

Errei menos que da primeira vez, na terceira errei menos que da segunda e na quarta eu já não estava errando mais nada. Peguei confiança e já me sentia completamente preparado para a prova, todas as outras onze aulas eu fiz com o pé nas costas e de olhos vendados, não errei mais nada! Conhecia o circuito como ninguém. Eu fechava os olhos e via o circuito inteiro na cabeça com cada detalhe que eu precisava fazer.

Terminei todas as aulas e estava com a prova marcada. Já haviam se passado aproximadamente cinco meses da compra da minha Bandit e resolvi dar mais uma volta nela no estacionamento, como de costume. Nesse dia meu sogro estava no estacionamento se preparando para sair de moto, foi quando tomei coragem e propus:

Pista de Moto Auto Escola Robles Big

– Vamos dar uma volta no quarteirão? Quero andar na rua, no trânsito! Preciso sentir isso já que a moto escola só me coloca no circuito fechado.

Sem hesitar (mentira, hesitando um pouco), meu sogro resolveu me acompanhar nessa aventura. Saí do estacionamento todo torto, quase caí, mas consegui me colocar na reta para dar a volta no quarteirão. Honda Fan 125 vs Bandit 650, é tudo completamente diferente, a pilotagem é diferente, a aceleração é diferente, a frenagem é diferente, enfim, tudo diferente!

Na primeira curva eu entrei muito, mais muito lentamente e levei meu primeiro tombo. Um carro da polícia passava na hora do meu tombo e, para minha sorte, os policiais nem olharam para minha cara para saber se eu estava bem. Um outro motociclista parou, com uma cara de “o que você fez?” e perguntou: “Está tudo bem?”. Falei que sim, dispensei ele e vida que segue. Levantei a Viúva Negra, olhei cada detalhe da minha linda moto e, por incrível que pareça não aconteceu absolutamente nada com ela e nem comigo, somente depois de olhar centímetro por centímetro dela e parar de tremer resolvi ver como eu estava. Ok Fernando, vamos voltar para casa.

Depois desse tombo eu fui dar a volta no quarteirão várias outras vezes, mas sem cair em nenhuma delas. Meu ritual diário passou a ser: levanta, algumas voltas no quarteirão, banho, café da manhã e trabalho. E foi assim até o dia da prova.

Dia da prova

Finalmente chegou o dia da prova e eu estava muito nervoso. Tenho certeza de que todos estavam muito nervosos ali mas, eu comprei a moto, encarei dona Beth e seu Roberto (mais conhecidos como mãe e pai) e eu não ia desistir. Me senti um lutador de MMA no canto do octógono recebendo instruções do seu mestre e focado no seu adversário.

Sem sacanagem, quando eu cheguei lá tinha uma fila de mais de 100 motos, eu era mais ou menos o quadragésimo da fila. Estava entre duas mulheres e ambas mais nervosas do que eu. Enquanto minha vez não chegava, fui dar uma espiada nas pessoas que estavam a minha frente e acabei ficando mais nervoso ainda, foi uma péssima ideia. Uma dica para você que está lendo esse livro e ainda vai fazer a prova, não faça isso!

Não vá espiar pois você só vai ficar mais nervoso. Eu vi umas três pessoas sendo reprovadas por esquecerem de abaixar a viseira, outras por derrubarem o cone, outras várias por passarem a roda da moto em cima da linha e por ai vai. Uma lógica que não tem lógica alguma! Meu sentimento é que eles estão te treinando para fazer merda no trânsito, mas, tenho que fazer essa coreografia aí, “vambora”.

O tempo foi passando e finalmente minha vez estava chegando. Já estava cansado, suando feito um condenado, estressado e com uma sede filha da mãe. A mulher que estava na minha frente estava tremendo de mais, muito mais que uma Harley desregulada, o negócio estava feio para o lado dela, eu cheguei a achar que ela ia ter um ataque epilético e, por consequência, eu fui ficando ainda mais ansioso e nervoso.

Ela fez todo o ritual certinho, abaixou a viseira, rezou um terço, acendeu uma vela, fez novena, banho de pipoca e sal grosso, até que o examinador deu o ok para ela começar e ela voltou para o ritual de conferência: capacete, viseira, presilha, descanso, farol e, acelerou como se não houvesse amanhã! Ela derrubou todos os cones, deixou a moto morrer, caiu e se levantou chorando.

Imediatamente a mulher atrás de mim começou a chorar compulsivamente e desistiu de fazer a prova aos gritos de “Eu não vou conseguir! Eu não vou conseguir!”. Da forma como ela estava eu acho que ela deve ter desistido de vez e para todo o sempre, amém. Mas e eu, você deve estar se perguntando meu caro amigo. Eu estava 100x mais nervoso, o psicológico do rapaz aqui foi para o cassete, comecei a tremer como uma Harley zero bala (ainda não estava no estágio da primeira mulher), boca seca, coração batendo acelerado e quando menos percebi estava quase terminando o circuito. A carteira estava na minha mão e foi a hora que cometi um erro fatal e fui reprovado.

Como assim reprovado? É meu caro amigo, fui reprovado no 8. No lugar de fazer o 8 inteiro eu fiz a volta completa na primeira bolinha do 8 e rodei igual a uma baiana de escola de samba. Eu não podia acreditar que havia cometido um erro tão bobo! Depois das aulas que fiz, depois de andar na Fan batendo na lateral para ela não desmontar, depois de… Enfim, eu fui reprovado e sai de lá puto, decepcionado e com os olhos cheios de lágrima. Eu fui reprovado por causa do nervosismo e da ansiedade. Durante os três dias seguintes da prova eu fiquei arrasado. Não conseguia pensar em outra coisa e me xingava de todos os xingamentos que conhecia.

Neurocientista explica o que há por trás de "explosões" de raiva - Revista  Galileu | Ciência

Agora vai

Depois de ser reprovado você tem que esperar uma semana para marcar uma nova data, além de pagar uma nova taxa para o DETRAN e pagar o aluguel da moto. Além disso tudo, tive alguns problemas de falta de profissionalismo na moto escola que eu estava, juntei a dor de cabeça com a superstição e resolvi mudar para tentar a prova pela segunda vez.

A moto dessa nova moto escola era mais nova, praticamente zero km para falar a verdade. Ela estava perfeita, era uma Suzuki GSR150i, durinha, reguladinha, toda inha. Além das taxas do DETRAN e do aluguel da moto, por precaução, paguei mais uma aula para me adaptar com essa nova moto no já conhecido circuito. Percorri o circuito todo sem cometer um erro se quer e, novamente, me senti pronto para a prova.

Rodolfinho da Z- Testando Suzuki GSR 150i. - YouTube
Era exatamente igual a essa a moto

Poucos dias depois eu estava lá novamente para fazer a prova, mas dessa vez eu era o décimo da fila e não cometi o erro de ir ver outras pessoas sendo reprovadas. Novamente, não faça isso, fique na fila e na sua! Na hora que chegou minha vez, fiz a conferência: capacete, viseira, presilha, descanso, farol. Eu devo ter repetido essa conferência umas quatro vezes até me sentir calmo e preparado para dar início ao exame.

O examinador me deu o Ok e eu fui: cone, plataforma, zig-zague, mudança de marcha para a terceira, acelera, freia, reduz até parar! Zigue-zague empurrando a moto e acabou! Olhei para os examinadores e ninguém estava sinalizando que eu havia sido reprovado, olhei para o outro lado e vi o instrutor de cara feia para mim:

– Você viu o que você fez? – Pronto, comecei a tremer e com medo perguntei:
– O que eu fiz? – Nessa hora ele abriu um sorriso largo e falou:
– Você passou!

Nessa hora eu não sabia se chorava ou se ria, mas uma coisa eu fiz e me lembro muito bem, tirei a moto do circuito e exclamei em alto e bom som “PASSEI! PUTA QUE …”, já quase no fim do “PARIU” fiquei envergonhado pois percebi que o examinador e toda a fila estava me olhando. O examinador que deu o Ok para eu iniciar o circuito começou a rir e, com muita simpatia, apertou minha mão e me deu os parabéns por essa conquista.

Finalmente eu ia poder andar na minha Viúva Negra sem medo de ser parado. Finalmente poderia andar de moto para qualquer lugar! Finalmente… Voltei de carro para casa com um sorriso de orelha a orelha que mal cabia dentro do carro. Agora ninguém me segura!


Essa história continua, aguarde os próximos posts! 🙂

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