Imponha limites já!

Imponha limites ou limites serão impostos a você

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O título desse artigo pode parecer contraditório para muitos, principalmente aos “coaches” e aos empreendedores de palco (não caia na lábia deles). É claro que a imposição de limites não significa limitar suas vontades e desejos empreendedores. Tão pouco quero que você pense pequeno ou deixe de seguir em frente.

Eu vou contar para você (de forma resumida) um pouco da minha história no empreendedorismo e você entenderá, acredito eu, o meu ponto de vista e por qual motivo acho extremamente importante impor limites na sua vida profissional.

A vontade de empreender

Desde pequeno eu tenho uma vontade de empreender. Aos meus 15/16 anos de idade, eu era o famoso sobrinho/web designer. Pegava vários projetos e fazia uma grana. Houve um momento em que cheguei a ganhar mais que meus pais.

Nessa época eu aprendi a formatar computador e tive uma ideia para ganhar mais dinheiro. Muitos amigos de colégio, em seu auge da puberdade, queriam baixar fotos pornô e não sabiam onde encontrar e/ou tinham medo de pegar vírus. Eu comecei a vasculhar a internet, pegar fotos (trabalho árduo em uma época em que a velocidade da internet variava entre 33.6/56.0 kbit/s) e gerar pacotes por tema. Ao fim da jornada, formatava o computador e seguia a vida.

Com esses “pacotes” em mãos, passei a gerar vários zips e hospedar no GeoCities, coisa que a galera de hoje não faz nem ideia do que seja. Pacotes criados, zipados e catalogados, comecei a desenvolver um site pornô. Tal site teria um valor mensal que seria debitado do cartão de crédito. Em resumo, eu fazia o trabalho “sujo” e cobraria para que os usuários ficassem livres de vírus.

O problema foi que eu era menor de idade e nessa época, realizar pagamento com cartão de crédito e um site não era tão simples assim. Acabou que eu abortei a missão e segui sendo web designer.

Primeiro susto

Os anos se passaram e eu não mais era um sobrinho. Já estava trabalhando como programador full Stack no Hospital Universitário Pedro Ernesto, hospital da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Nessa época eu tinha colocado na cabeça que queria montar uma software house. Essa ideia foi sendo amadurecida em conjunto com um amigo. Começamos a pegar vários projetos e a grana que entrava era dividia por 2. Acabou funcionando por um tempo até que ele foi para outro emprego e eu segui sozinho nessa empreitada.

Um desses projeto que peguei foi recriar o sistema de inscrição no vestibular da UERJ. Junto com mais outras duas pessoas tocamos esse projeto com maestria, tanto que (acreditem ou não) ele está de pé até hoje. Na ocasião esse novo sistema segurou o “tranco” das inscrições e rendeu alguns milhões a mais para a universidade.

Por conta desse sucesso, fui chamado para trabalhar no departamento de informática da UERJ porém, achando que eu era invencível, fiz um acordo. Eu trabalharia das 7 da manhã até às 14h no Hospital, tirava 30 minutos de almoço e locomoção até a UERJ (que era perto) e começava a segunda jornada lá às 14:30. Eu encerraria meu expediente às 20:30, mas várias vezes saia de lá por volta das 22/23h.

Além disso, eu ainda estava tocando os projetos que eu pegava por fora. Minha ideia era virar a chave em um determinado momento e prestar serviços para o hospital e para a universidade.

Já deu para perceber que eu não tinha tempo para comer e dormir. Final de semana era raro não trabalhar. Em um momento calhou de acontecer 3 entregas de 3 projetos diferentes na mesma semana. Passei 2 dias a base de café, energético e cigarro. Devo ter cochilado por volta de uma hora apenas. Fiz as entregas e me levantei para ir para o trabalho, foi aí que percebi que havia passado do ponto.

Comecei a suar frio, sentir formigamento na nuca e entrei em desespero. Fiquei nervoso e comecei a chorar achando que estava tendo um derrame. Fui para o hospital e, depois de contar a minha saga para o médico, ele virou-se para mim e disse: “Se você continuar assim, te dou só mais um ano de vida.”

Voltei para casa, pedi demissão da UERJ, entreguei o que tinha pendente, arrumei outro emprego e saí do hospital universitário também. Página virada e prometi para mim mesmo que não faria isso novamente. Ledo engano meu.

Fui empreender e quebrei

Alguns anos após o acontecido, eu estava extremamente infeliz no lugar terrível que estava trabalhando. Eu tinha um dinheiro guardado e muita vontade de finalmente seguir em um negócio próprio. Criei um plano A e um plano B porém os dois planos eram focados somente no sucesso. Eu não tinha capacidade de prever que algo poderia dar errado. Pedi demissão do meu emprego, desengavetei uma ideia mirabolante, peguei um empréstimo e comecei a minha nova vida.

Tudo que poderia dar errado deu e eu não estava preparado para o erro. Eu não sabia o que era pivotar, não sabia o que era MVP, não sabia absolutamente nada relacionado a empreendedorismo. Na verdade eu só sabia que tinha uma ideia e pensava que eu seria o novo Elon Musk.

Tempo depois, eu me vi falido, com dívidas e não conseguia entender o que deu errado. Por conta disso tomei a decisão que iria procurar trabalhar em startups para entender meu erro e tentar novamente quando me sentisse preparado.

Segundo susto

Nessa busca por uma startup, encontrei um lugar que parecia ser promissor. Eles ficavam em um lugar bem maneiro no Rio. O prédio da empresa tinha 3 ou 4 andares, um terraço com churrasqueira, salas de reunião bem planejadas e as vezes até rolava uma cerveja durante o expediente. Era a famosa falácia do “sinta-se em casa”.

Em um dado momento entrou um projeto grande. Tínhamos que entregar em 1 mês um projeto que levaria de 3 a 4 meses. Aceitamos o desafio (na verdade não tínhamos escolha) e caímos matando. Eu trabalhava de 12 a 16 horas por dia. No fim, pegava o carro ou a moto e tinha que rodar cerca de 25km para voltar para casa. Detalhe, isso tudo sendo PJ e sem ganhar um real a mais!

Em uma dessas voltas para casa eu simplesmente dormi no volante! Acordei no susto quase subindo no canteiro entre as pistas. Quando acordei, tomei outro susto enorm e, tentando entender o que estava acontecendo, quase capotei com o carro. Eu estava com mais outros dois amigos que estavam dormindo, acordei os dois, coloquei o som alto e falei “não me deixem dormir, quase morremos”.

No dia seguinte dormimos na empresa para não correr esse risco novamente. Fiz 22h de trabalho (novamente, sem ganhar absolutamente nada a mais com isso, nem reconhecimento). Entregamos o projeto e pedi demissão, caso contrário eu iria morrer, ou de um acidente ou de infarto.

Terceiro (e espero que último) susto

Mais alguns anos depois, em uma outra empresa, cometi os mesmos erros anteriores. Trabalhando 12/16h por dia novamente sem ganhar um real a mais por isso. Comecei a ver erros dos empreendedores, principalmente de um dos sócios que cobrava, não fazia nada e ainda dava as puladas de cerca dele durante o horário de trabalho.

Meu filho tinha uns 2 anos na época. Eu saia de casa para trabalhar ele estava dormindo, eu voltava e ele já estava dormindo. Eu perdi alguns bons meses do crescimento dele por conta disso.

Em um dado momento, comecei a sentir formigamento na ponta do nariz e no olho direito. Achei estranho, mas segui trabalhando. No dia seguinte estava pior, fui a uma série de médicos a descobri que eu estava com herpes zoster no rosto. Já tinha afetado meu olho e se eu tivesse demorado mais um pouco para ir ao médico, eu poderia ter perdido a visão do olho direito.

Quando entendi que precisava de limites

Durante esse período todo, eu esqueci de falar que desenvolvi uma depressão profunda, perdi cabelo, ganhei muitos cabelos brancos, hipertensão e etc. Conversei com minha esposa, que por sinal é incrível e sempre esteve do meu lado, e tomei a decisão que precisava dar um tempo nisso. Impor limite não era mais uma opção.

Eu estava empreendendo nesses projetos que falei, nos últimos já estava atuando como líder técnico, responsável por tomadas de decisão em conjunto com os sócios etc. Eu aprendi muito, disso não posso reclamar. Hoje sou capaz de entender os erros que cometi quando fui empreender de forma irresponsável. Hoje sou capaz de ajudar empreendedores a não cometerem os mesmos erro que eu cometi, MAS… Paguei um preço muito alto. Paguei com minha saúde e quase com minha vida.

Hoje eu tenho um telefone pessoal e profissional, evito ao máximo falar de trabalho aos finais de semana, férias e quando estou com minha família. Se você não colocar esse limite em você e em quem está a sua volta você vai ter um burnout, você vai ter um “treco”, você vai perder o crescimento do seu filho ou filha, você vai perder seu casamento ou sua vida. Você só vai perder!

Quem está “marretado” na sua cabeça não vai colocar esse limite. Se você atende telefone fora do horário para situações não urgentes, se você responde um email ou uma mensagem no WhatsApp na madrugada o dia que você não fizer isso você será cobrado como se fosse uma obrigação.

Se você empreende com seu dinheiro, diferente da forma como eu venho empreendendo hoje (de repente assunto para outro post) você também precisa colocar limites na sua vida! É irreal achar que você vai trabalhar 7 dias da semana, 24h por dia. Se você faz isso é sinal que está fazendo algo de errado! Está colocando energia de mais em coisas erradas.

Se você está empreendendo e é o programador, vendedor, suporte e tia da limpeza, você está cometendo um erro enorme, não está fazendo absolutamente nada bem-feito. Concentre-se em fazer bem o que você sabe e arrume aliados para fazer o resto.

Outra coisa importante que você precisa botar na sua cabeça de uma vez por todas. As coisas funcionam sem você e se não funciona, sinto te dizer que a culpa é sua!

Em resumo, você tem que impor um limite, você precisa viver, precisa ter momentos para relaxar, isso vai fazer com que você seja ainda mais produtivo. Foque-se em ser produtivo e não em estar ocupado! Trabalhar mais que 8 horas por dia não significa que você é bem sucedido ou que o sucesso está garantido. Caixão não tem gaveta.